sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Sobre o bullying e sua banalização

Dessa vez não vou falar de monstros, demônios ou mundos paralelos. Mas, se tivesse que definir o assunto de hoje um pouco além de sua denominação comum, eu diria que se trata, para quem já sofreu com a coisa, de um fantasma incômodo, que se aloja em algum lugar da cabeça e, nos piores momentos da vida (ou até nos melhores), retorna como um calafrio sinistro, causando assombrações com sussurros indizíveis.

Eu acredito que esse texto fará mais sentido para quem conviveu com a coisa. Se não foi o seu caso, aviso que deverá ter a mente aberta para compreender as próximas linhas, ou tudo não parecerá nada além de um mimimi fútil, de um assunto que a mídia cada vez mais banaliza, talvez, até, com boas intenções.

De uns cinco ou seis anos para cá o assunto entrou em pauta na sociedade brasileira, importado, me parece, da cultura americana, local em que, já há algum tempo, o tema é mais debatido, devido, principalmente, aos tiroteios ocorridos na região em escolas, efetuados por alunos que foram, de alguma forma, perseguidos. As histórias, que todos conhecem, geralmente terminam com inocentes mortos e suicídio.

Mas isso está longe de ser uma regra. Infelizmente parece que se fortaleceu a ideia de que quando uma criança é perseguida diariamente em algum momento ela terá um colapso nervoso e efetuará um massacre. Isso parece acontecer devido aos principais acontecimentos que, vez ou outra, intensificam o debate acerca do Bullying, como o fantasmagórico caso da escola de Realengo ou a matança ocorrida na estreia do último filme do Batman de Cristopher Nolan.

Essa perspectiva direciona as atenções para a culpa de se estar criando um monstro. Então, se você pratica bullying, pode potencialmente ser culpado por uma ou mais mortes. A questão é que, essencialmente, esse não é o problema. Digo isso porque esses casos são raros e a ideia de que se não ocorrer um fenômeno grave como esses tudo estará bem é desprezível.

Essa perseguição pode afetar profundamente uma pessoa, inibindo o desenvolvimento de sua personalidade até o ponto de torna-la, de modo quase irrecuperável, simplesmente um ser humano triste e infeliz para o resto de sua vida. Há muitas formas para se destruir uma pessoa, e infelizmente o homem pode ser extremamente criativo. Agressões físicas, brincadeiras, apelidos...

“Ora, Leandro, que exagero. Então não posso dar apelido aos meus amigos que estarei praticando Bullying? Quanta frescura”. Esse tipo de pensamento foi um dos que mais se popularizou com a banalização do Bullying, seguindo, principalmente, desse outro: “Sempre me zoaram no colégio e eu fiquei bem. Eu aprendi a me virar. Isso é normal”. Acredito que isso tenha ocorrido por uma incorporação despreparada do assunto. Em outras palavras: virou moda falar de bullying, mas ninguém quer reservar um tempo para pesquisar e refletir a fundo do que se trata.

Se por algum motivo esse é o seu caso, quero deixar claro que não tenho a intenção de lhe ofender. Esse não é o meu objetivo aqui. Como disse, é preciso que você mantenha a mente aberta para ler esse texto e, quem sabe, ter um pensamento mais crítico sobre o assunto.

Dito isso, quero tentar explicar algo simples, mas que foi tão mal exposto nos principais meios de comunicação e tão mal absorvido pela sociedade (tanto por pessoas neutras, quanto por alunos e educadores) que se tornou extremamente deformado: zoação não é bullying. Bullying não é zoação. Pelo menos, não necessariamente.

Nos estágios que fiz em diferentes escolas, não foi raro ver que após uma ou outra brincadeira as crianças disparavam rindo :isso é bullying e o mesmo acontecia com os professores. Não sei qual é a origem do termo bullying, mas sei do que se trata. Ele é definido por qualquer comportamento consciente, repetido e hostil, cuja intenção é ferir os outros, física ou psicologicamente.

Entendam: A zoação que seus amigos ou colegas no colégio fizeram com você, amigo que acha que essa preocupação é frescura, provavelmente não poderia ser definida como bullying. O Bullying não é o ATO de zoar. Ele é o COMPORTAMENTO sistematicamente repetido com a intenção consciente de ferir o agredido. Reflita e, sinceramente, questione se foi isso que ocorreu com você. Senão, comece a se perguntar se isso é realmente normal e que inclusive “ajuda os zoados a se desenvolverem”, como já ouvi por aí.

As formas que esse comportamento adquire são múltiplas, mas seu motivo parece único: Trata-se da afirmação da sua existência através da humilhação e inferização do outro. Isso advém da crença de deter o direito de ferir ou controlar terceiros, não raro, se da também pela intolerância às minorias ou, simplesmente, às pessoas que levam um estilo de vida diferente do agressor.

Esse tipo de comportamento nunca irá formar caráter. Vejo muitas pessoas dizendo que a vítima deve aprender a se defender, a revidar, como se isso fosse resolver seus problemas e que magicamente ela não seria mais incomodada depois disso. Esse tipo de pensamento geralmente parte de quem já praticou o infeliz comportamento ou que, no mínimo, nunca sofreu com ele. É fortalecido também por uma massificação cultural, através da absorção de filmes em que a vitima de Bullying geralmente da a volta por cima, aplicando uma surra nos seus adversários e, assim, nunca sendo incomodados de novo ( O Reino Proibido, Quebrando Regra, Dragon Ball Evolution, o último Homem Aranha...).

Mas a vida não é um filme.

A prática de bullying acaba por inibir o desenvolvimento da personalidade da vítima. Cada vez menos ela se preocupa em expor quem ela é e cada vez mais busca se esconder. Tornar-se discreta e tenta eliminar qualquer vestígio do que possa ser o motivo para a contínua perseguição.

Não precisa ser um gênio para perceber que isso provavelmente a afetará na vida adulta, uma vez que carregará suas inseguranças e guardará em seu subconsciente que será atacada por aquilo que ela têm de diferente, seja lá o que for. É extremamente difícil racionalizar que, se havia um problema, ele estava em verdade nos seus agressores e não em si mesma.

Acho que é preciso também acabar com o mito de que quem sofre Bullying é/será um gênio e futuramente terá muito mais sucesso que seus antigos agressores. Isso apenas parece uma forma de se buscar um equilíbrio entre causa e efeito, mas ele é falso. Essa perspectiva fortalece o mito da construção de caráter e esse tipo de coisa deve ser combatida.

Acho que é isso. Claro que há muita coisa para se falar, mas já duvido que alguém leia até aqui.

De todo modo, eu realmente gostaria que as pessoas fossem mais empáticas. Acredito que esse seja o principal meio para se combater esse tipo de comportamento, na infância, na juventude e na vida adulta.