quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Coisas do futebol, minha nega

"Hoje eu vim, minha nega,
Sem saber nada da vida”
Paulinho da Viola


Na tarde do último domingo, dia aparentemente pacato e comum, deu-se o incrível, o inesperado, o insólito. A equipe de futebol do Club de Regatas Vasco da Gama, com Dedé “O Mito”, Diego “Endiabrado” Souza, Fernando “Muralha” Prass e o restante de seu escrete primoroso, perdeu para o Botafogo com seu elenco mais-ou-menos. Dizer que perdeu é pouco, seja dita a verdade: o Vasco apanhou mais do que boneco de Judas em Sábado de Aleluia.
Tenho a certeza de que ninguém - absolutamente ninguém - esperava resultado semelhante. O jogo surpreendeu tanto os especialistas bem informados como os profetas de oito tentáculos. O mais otimista dentre os botafoguenses não previu mais do que uma suada vitória de seu time. Minto, talvez a frase servisse a outro torcedor na mesma situação, mas não ao botafoguense. Este, no auge de suas esperanças, aguardaria um jogo sonolento e um empate sem gols.
E não sou eu quem vem inventar ser o botafoguense um incorrigível pessimista e eterno melancólico. Quem assim dizia era o Nelson Rodrigues, que afirmava que o torcedor do Botafogo, ao contrário de todos os demais, ia aos estádios esperando ver, em vez da vitória, justamente a derrota. Eu me limito a comprovar tal verdade. E, de fato, é assim mesmo.
Certa dia, eu, reunido com um grupo de amigos, fazia prognósticos para o calendário de futebol que se iniciaria em pouco tempo. Com sangue nos olhos, defendi que o Vasco seria o campeão da próxima Copa Libertadores, mesmo não participando do certame. Um flamenguista, mordido pela minha convicção insana, não deixou barato e, babando de emoção, apostou seu salário do mês no seu time como o próximo vencedor da Champions League. “E invicto!”, ele fez questão de frisar.
Em seguida, o botafoguense ali presente, com uma estranha entonação de voz, que depois pensei ter sido uma vacilante tentativa de bravata, afirmou ter a esperança de que seu time faria a melhor campanha das últimas temporadas, alcançando a quinta colocação no campeonato brasileiro e perdendo a última vaga na Copa Libertadores apenas na última rodada da competição.
Na última segunda-feira, outra demonstração desse melancólico espírito alvinegro. Estava eu no metrô quando entrou um quarentão conversando com a mulher:
- Aqueles vascaínos lá do prédio que iam para o jogo, heim... devem ter ficado frustrados. Quatro a zero, ninguém esperava essa...
Um sujeito meio bicho-grilo ouviu e se meteu na conversa:
- Olha, eu sou botafoguense e digo para vocês que eu não esperava um resultado assim.
Aquele que falava com a mulher virou-se para o hiponga e respondeu:
- Eu também sou botafoguense e também não esperava aquele jogo...
Naquele vagão de metrô, meio vazio no horário de almoço, devia haver umas sessenta pessoas. Pelo menos duas delas eram torcedoras do Botafogo, uma tal concentração que só é capaz de encontrar paralelo nos mais importantes jogos do Engenhão. Como por mágica, estavam os dois ali frente a frente, reunidos tão somente pelo destino, sem sequer um conhecer o time do outro.
Quando a trama novelesca se descortinou na minha frente, eu, vascaíno emotivo, fui obrigado a fingir uma rinite alérgica para disfarçar as lágrimas mal contidas. Mas os dois botafoguenses, para espanto geral, não se abraçaram como dois irmãos que se reencontram após uma vida. Em vez disso, encetaram uma discussão insossa sobre os lances do jogo, quase contrariados, como se encontrar um igual os fizesse menos gloriosos.
É muito curioso esse espírito dos botafoguenses. Certamente, teria impedido qualquer deles de antever o resultado de domingo, mesmo que este fosse previsível. E, repito, não era. Ao contrário, foi um placar tão imprevisível como é, agora, inexplicável, por mais que os burocratas das mesas-redondas insistam em buscar suas causas.
De um lado, falam de excesso de confiança e dos malefícios de elogios desmedidos; de outro, do efeito anabolizante das esfihas e dos kibes. Por mais que eu admita que a sunguinha enfiada do Loco Abreu possa ser responsável por não deixá-lo relaxar durante os 90 minutos da partida, isso tudo não passa de uma grande balela.
Não existem explicações possíveis. E mesmo aquelas que parecem exatas para a ocasião se mostrarão falsas no futuro, provando serem imprestáveis desde o início. É que o futebol não é nada além de uma metáfora da vida, onde os homens se preparam e lutam pelos seus objetivos, mas é o incognoscível o único dono do destino. Vez por outra, mesmo aqueles sujeitos infalíveis que tem parte com o divino, como o zagueiro Dedé, simplesmente, erram.
Mais do que qualquer outra coisa, é preciso na vida das graças voluntariosas da sorte. No domingo, ela jogou contra mim. Em dez dias, farei uma prova importante. Melhor não reclamar.

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