"muitos ficaram pasmados
ao vê-lo – tão desfigurado ele estava que não parecia ser um homem ou ter
aspecto humano (...) Era desprezado como o último dos mortais, homem coberto de
dores, cheio de sofrimentos; passando por ele, tapávamos o rosto (...) A verdade
é que ele tomava sobre si nossas enfermidades e sofria, ele mesmo, nossas dores
(...) o Senhor fez recair nele o pecado de todos nós.”
Era quinta-feira. Ao terminar
a ceia Jesus saiu com os seus amigos para orar no Monte das Oliveiras, além do vale
de Cedrom, onde havia um horto. Seus discípulos, entre eles Judas, conheciam
aquele lugar, porque eles haviam se reunido ali diversas vezes.
Enquanto Jesus orava,
Judas chegou acompanhado de uma grande multidão enviada pelos sacerdotes armada
de espadas e cassetetes. Para que os soldados soubessem quem prender, Judas
havia combinado um sinal, dizendo que aquele que ele beijasse era Jesus.
Assim, ele se aproximou
do seu Mestre e o beijou.
- Eu te saúdo, Rabi.
- Judas, com um beijo você
trai o Filho de Deus? – Virando-se para a multidão - Quem procuram?
Os soldados responderam:
- Jesus, o nazareno.
- Sou eu.
Quando ele lhes disse
isso a multidão recuou.
- Já lhes disse que sou
eu. Então deixem que os outros se vão.
Os soldados aproximaram-se
e o prenderam.
Nesse momento Pedro, que
era um dos discípulos, atacou um dos soldados do sumo sacerdote com uma espada
e lhe cortou uma orelha. O nome desse soldado era Malco.
Então Jesus gritou.
- Embainha a tua espada
Pedro! Os que vivem pela espada, morrerão pela espada. Você não sabe que bastaria
que eu orasse ao meu Pai e que ele me enviaria legiões de anjos?
Ao tocar a orelha de
Malco ele o curou.
- Por que vieram armados para
me prender como se eu fosse um ladrão? Todos os dias eu ensinava no templo, e
não me prenderam.
Nesse momento todos os
discípulos de Jesus fugiram e os soldados levaram-no à Anás, que era o sogro do
sumo sacerdote.
Pedro seguiu a multidão
de longe até o pátio do sumo sacerdote e sentou-se perto de uma fogueira para
se aquecer entre os criados.
Apesar das buscas dos
sacerdotes e de todo o conselho por testemunhas contra Jesus, eles não achavam.
Porque muitos testemunhavam falsamente e seus depoimentos não eram coerentes.
Por fim surgiram duas
testemunhas.
- Nós ouvimos ele dizer
que derrubaria o templo de Deus e em três dias construiria outro.
Ouvindo isto Anás
perguntou a Jesus: - Não tem nada a responder sobre o testemunho destes?
- Eu falei abertamente ao
mundo. Sempre ensinei na sinagoga e no templo e nada disse em oculto. Sendo
assim, para que me pergunta? Faça essa pergunta aos que ouviram o que eu
ensinei.
Então Jesus levou uma bofetada
de um dos soldados que estavam ali.
- Assim respondes ao sogro
do sumo sacerdote?
- Se falei mal, por favor,
me diga em quê. Se não, por que me bate?
Depois disso Anás mandou
que levassem Jesus ao seu genro, o sumo sacerdote Caifás.
Caifás dirigiu-se a Jesus
e perguntou: - Nos diga se você é Cristo, o Filho de Deus Bendito.
- Você disse. Mas eu digo
ainda que verás em breve o Filho de Deus sentado à direita do Poder e vindo
sobre as nuvens do céu.
Ao ouvir isto Caifás
rasgou as suas roupas e gritou.
- Blasfemou! Para que ainda
precisamos de testemunhas?
E todos do conselho consideraram
Jesus culpado de morte. Então os soldados começaram a cuspir nele e, após cobrir-lhe
o rosto, deram-lhe pauladas ordenando que adivinhasse quem batia nele.
Pedro ainda estava sentado
do lado de fora, no pátio quando se aproximou dele uma criada.
- Você também estava com
Jesus, o galileu.
Mas ele negou dizendo: -
Eu não o conheço.
Quando outra criada o viu
disse aos que estavam ali: - Este também estava com Jesus.
- Nem conheço esse homem.
– Foi a resposta de Pedro.
Então um dos soldados que
estavam perto da fogueira se aproximou.
- Você é um deles, porque
também galileu. Seu sotaque te denuncia.
- Eu juro! Não conheço
esse homem.
Nesse momento o galo
cantou e Pedro se lembrou de que durante a ceia Jesus tinha lhe dito que antes
que o galo cantasse Pedro o negaria três vezes. Pedro saiu do pátio e chorou
amargamente.
Quando viu que Jesus foi
condenado pelo conselho, Judas se arrependeu de ter entregado seu Mestre e
levou as trinta moedas de prata aos sacerdotes no templo.
- Traí o sangue de um
inocente.
- O que isso nos importa?
Isso é problema seu.
Ao ver que sua traição
não tinha mais volta Judas atirou as moedas de prata e fugiu do templo.
- Não é bom colocar essas
moedas no cofre das ofertas, porque elas compraram sangue. – Disse um dos
sacerdotes.
Então eles compraram com
elas o campo de um vendedor de tijolos e panelas de barro, para que servisse de
sepultura para os estrangeiros. E até hoje aquele lugar é conhecido como Campo
de Sangue.
Dias depois Judas foi
encontrado enforcado fora da cidade.
Pela manhã da sexta-feira
os sacerdotes levaram Jesus para o entregarem a Pilatos, que era o prefeito romano
da província da Judéia.
- Que acusação trazem
contra este homem?
- Se ele não fosse criminoso
não o traríamos.
- Então julgue-o segundo
a sua lei. – Respondeu Pilatos.
- Não podemos matar
pessoa alguma. Esse agitador proíbe que se pague tributos a
César, e dizer que ele mesmo é Cristo, o rei.
Virando-se para Jesus
Pilatos perguntou: - Você é o Rei dos Judeus?
- Diz isso por você mesmo
ou te disseram de mim? – Foi a resposta de Jesus.
- A tua nação e os
sacerdotes te entregaram a mim. Que fizeste?
- O meu reino não é deste
mundo. Se o meu reino fosse deste mundo os meus servos lutariam para que eu não
fosse entregue, mas o meu reino não é daqui.
- Então você é um rei?
- Você diz que eu sou
rei. Eu nasci para isso e para isso vim ao mundo, para dar testemunho da
verdade. Todos que são da verdade me seguem.
- O que é a verdade? Não
ouve que te acusam? Não tem nada a responder?
Mas Jesus não falou mais
nada.
Quando Herodes viu Jesus
alegrou-se muito. Havia muito tempo que desejava vê-lo, pois ouviu coisas sobre
ele e esperava que veria Jesus fazer algum milagre.
Mas por mais que o
interrogasse, Jesus nada lhe respondia. Então
Herodes vestiu-o com uma roupa resplandecente e tornou a enviá-lo para Pilatos.
Ao ver Jesus novamente o
prefeito disse:
Por causa da Páscoa o
prefeito da província costumava soltar um preso escolhido pelo povo.
- Vou castigá-lo e
soltá-lo. Querem que eu liberte o Rei dos Judeus?
Naquela época havia um preso
chamado Barrabás, que tinha cometido um assassinato.
- Quem querem que eu
solte? Barrabás, ou Jesus, chamado Cristo?
Mas os sacerdotes
persuadiram à multidão para que pedissem por Barrabás.
- O que querem que eu faça
com Jesus?
- Que ele seja
crucificado! – Respondeu a multidão.
Vendo que o tumulto
crescia, Pilatos tomou água e lavou as mãos diante da multidão.
- Estou inocente do
sangue deste justo.
- Nós temos uma lei e
segundo a nossa lei ele deve morrer porque diz ser o Filho de Deus.
E Pilatos, quando ouviu isto,
perguntou a Jesus: - De onde você é? - Mas Jesus não lhe deu resposta.
- Não sabe que tenho
poder para te crucificar e tenho poder para te soltar?
- Nenhum poder teria
contra mim se não te fosse dado de cima. Mas aquele que me entregou tem culpa maior.
Pilatos perguntou ao
povo: - Hei de crucificar o vosso Rei?
- Não temos outro rei
além de César! – Gritaram.
Então soltou Barrabás,
mandou açoitar Jesus e o entregou para ser crucificado.
E logo os soldados de
Pilatos vestiram Jesus de púrpura, teceram uma coroa de espinhos que lhe
puseram na cabeça, e em sua mão direita colocaram um bastão. Então ajoelharam-se
diante dele.
- Salve ó rei.
Em seguida cuspiram nele,
tiraram-lhe o bastão e bateram com ele em sua cabeça. Quando terminaram tiraram
dele a capa, o vestiram com as suas próprias roupas e o levaram para ser
crucificado.
Ensanguentado, Jesus não tinha
forças para carregar a cruz sozinho, então forçaram um cireneu, chamado Simão,
que passava por ali vindo do campo a ajuda-lo. Uma grande
multidão os seguiam e as mulheres batiam no peito e choravam.
- Filhas, não chorem por
mim. Chorem por vocês mesmas e por vossos filhos. Porque virão
dias em que dirão “Bem-aventuradas as estéreis, e os ventres que não geraram, e
os peitos que não amamentaram”.
Quando chegaram ao lugar
chamado Gólgota, deram vinagre misturado com fel para que Jesus bebesse mas ele
não tomou.
Eram três horas quando o pregaram na cruz. Enquanto os cravos atravessavam a sua carne Jesus orava pelos seus carrascos:
- Pai, perdoa-os, porque
eles não sabem o que fazem!
Quando os soldados terminaram
de crucificar Jesus, pegaram as suas roupas e dividiram em quatro partes, uma para
cada soldado, mas havia também a túnica. A túnica era tecida toda de alto a
baixo e não tinha costura.
- Não vamos rasgar a
túnica. Vamos sorteá-la para ver de quem será.
Acima de sua cabeça
puseram escrito a acusação “Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus” em três idiomas.
Com Jesus também foram
crucificados dois assaltantes, um à direita e outro à esquerda. E os que
passavam por ali insultavam ele.
- Você, que destruiria o
templo e em três dias o reconstruiria, salve a si mesmo. Se é Filho de Deus,
desce da cruz!
- Salvou os outros, e a
si mesmo não pode salvar. Se é o Rei de Israel, desça agora da cruz!
- Se você é o Cristo,
salve a si e a nós também.
- Você não teme a Deus
estando na mesma condenação? Na verdade recebemos o que merecíamos,
mas ele não fez nenhum mal. Senhor, lembre-se de mim quando
entrar no seu reino.
Então, olhando para
baixo, viu sua mãe aos pés da cruz, e ao seu lado estava João, um de seus
discípulos, amparando-a.
- Mulher, aí está o seu
filho. Amigo, aí está a sua mãe.
Ás seis horas o céu
escureceu de forma que não se via nem mesmo as estrelas, e perto das nove horas
Jesus exclamou: - Meu Deus, por que me abandonaste? – E completou. - Tenho
sede.
Os soldados embeberam uma
esponja com vinagre e levaram a boca de Jesus.
- Pai, nas tuas mãos
entrego o meu espírito. Está consumado.
O Cristo inclinou a
cabeça e entregou o espírito.
...
Nesse momento houve um
grande terremoto e as pedras racharam-se, os sepulcros se abriram e muitos
corpos foram ressuscitados. Mais tarde os mortos saídos de seus túmulos
entraram na cidade santa. O centurião e os que guardavam os condenados tiveram muito
medo.
- Realmente este homem
era o Filho de Deus.
Como aquela era a véspera
da festa da Páscoa não convinha que os corpos ficassem na cruz, então Pilatos ordenou
que se quebrassem as pernas dos condenados para que morressem mais depressa. Os
soldados obedeceram, quebrando as pernas dos dois ladrões, mas ao ver que Jesus
já estava morto não quebraram suas pernas. Ao invés disso, um dos soldados o
perfurou com uma lança, e do ferimento jorrou sangue e água.
José de Arimatéia, um honrado
senador que também era seguidor de Jesus, foi a Pilatos pedir permissão para
retirar o corpo da cruz. Foi também Nicodemos levando quase 50 quilos de um
composto de mirra e aloés. Tomaram o corpo de Jesus e o envolveram em lençóis
com as especiarias como preparação para o sepulcro.
Havia um jardim próximo
ao Gólgota, e nele um sepulcro novo onde colocaram o corpo, então lacraram a
porta com uma grande rocha e retiraram-se.
No sábado os sacerdotes foram
até Pilatos.
- Senhor, aquele
enganador uma vez disse que depois de três dias ressuscitaria. Então ordene que
o sepulcro seja guardado com segurança até o terceiro dia para que os seus
discípulos não o furtem e digam ao povo que ele ressuscitou dentre os mortos.
- Levem os soldados. Vão
e guarde-o como entenderem melhor.
Após a páscoa, no
domingo, Maria Madalena e Maria, mãe de dois discípulos de Jesus, foram ao
sepulcro, de manhã cedo, ao nascer do sol.
- Quem removerá a pedra da porta do sepulcro
para nós?
Porém, ao chegarem ao
local viram que a pedra já havia sido removida. Ao entrar no sepulcro viram um
jovem sentado vestindo uma roupa comprida e branca como a neve, e ficaram
espantadas.
Os guardas de Pilatos
estavam paralisados de medo dele.
Ao vê-las o jovem virou-se para as mulheres.
Ao vê-las o jovem virou-se para as mulheres.
- Não tenham medo. Eu sei
que procuram Jesus, que foi crucificado. Ele não está aqui, porque já
ressuscitou, como havia dito. Vão imediatamente e digam aos seus discípulos que
ele irá encontra-los na Galiléia.
Li por esses dias a versão do Saramago. Ele conta a história dos evangelhos partindo do pressuposto de que é (quase) tudo verdadeiro e passa a questionar a lógica por trás disso. O final é muito bom:
ResponderExcluir"Jesus morre, morre, e já o vai deixando a vida, quando de súbito o céu por cima da sua cabeça se abre de par em par e Deus aparece, vestido como estivera na barca, e a sua voz ressoa por toda a terra, dizendo, Tu és o meu Filho muito amado, em ti pus toda a minha complacência.
Então Jesus compreendeu que viera trazido ao engano como se leva o cordeiro ao sacrifício, que a sua vida fora traçada para morrer assim desde o princípio dos princípios, e, subindo-lhe à lembrança o rio de sangue e de sofrimento que do seu lado irá nascer e alagar toda a terra, clamou para o céu aberto onde Deus sorria, Homens, perdoai-lhe, porque ele não sabe o que fez."
Caim do Saramago vai pela mesma linha. É ate um livro interessante.
ResponderExcluirCaraca, teve paixão de cristo aqui ???Disso certamente não falamos na Lapa...
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