sábado, 20 de agosto de 2011

Algum lugar

I Algum lugar

Está muito frio aqui. Nunca fui um homem religioso, mas sempre ouvi falar que o inferno era um lugar quente. Observo a planta da qual saí. Uma vagem. Há muito tempo vi um filme em que alienígenas invadiam a Terra. Era de uma planta muito parecida com essa que eles nasciam. “Os invasores”. Estou mesmo morto?

Olho em volta enquanto tento me aquecer. Neve. Estou cercado por neve. A única coisa que se difere da cor branca são as milhares plantas verdes, espalhadas por entre os flocos gelados. Retiro a gosma rosa que cobre meu corpo e percebo que visto a mesma roupa que usava na prisão. Há sete furos feitos com facas na minha camisa, cortesia de meus amigos de cela. Eu me lembro da dor. Começaram pela costela. Dois furos. Estomago. Três furos. Peito. Dois furos. Então tudo ficou escuro. Primeiro senti frio, depois, senti ainda mais. Para onde devo ir?

Algumas plantas se movem de forma traiçoeira. Me agacho, ficando mais próximo da neve que já cobre meu joelho. Ainda estou confuso, não sei o que esperar. Quatro plantas se agitam e se rasgam lentamente. De cada planta sai uma pessoa, todas cobertas pela mesma gosma rosa. Um homem gordo, de cabelos grisalhos e pele rosada. Se porcos vestissem terno, provavelmente ficariam muito parecidos com ele. Uma mulher ruiva sai de outra vagem. Pele e vestido brancos. Diria quarenta anos. Desesperada ela tenta retirar a gosma. Três buracos no seu vestido. Conheço bem aqueles buracos. Chuto que foi um Calibre .223 Remington. A mulher não teve chance. Outro homem sai da terceira vagem. Da alguns passos até cair no chão. Magro, mas não muito. Roupas rasgadas e queimadas. Também é branco. O mais surpreendente vem da quarta planta. Uma menina de cabelos dourados se afasta de seu dormitório. A gosma cobre sua camisola, enfeitada com ursinhos. A pele é quase tão branca como a neve.

Todos estão desorientados. Me aproximo devagar, tentando combater a neve que teima em me segurar. O gordo é o primeiro a falar:

-Onde estamos?! –me pergunta aos berros. –Quem é você?

Fico em silêncio. Olho para a mulher que caiu de joelhos no chão quando reparou nos buracos em seu vestido.

-Que porra é essa? –o gordo me pergunta, enquanto chuta a planta de que saíra.

-Não sei muito mais do que você. –respondi com calma. A única certeza que tinha era que fora esfaqueado pelos meus colegas. Vendo o estado das roupas dos que chegavam, tinha cada vez mais certeza de que estava morto.

-Eu estava em um avião. –o homem magro falou. – Lembro da turbulência. As máscaras de ar caíram. Onde... Onde estou?

-Mortos. –a mulher lhe disse ainda no chão. –Estamos todos mortos.

Os homens resmungaram. Desesperadamente começaram a falar frases sem sentido, tentando narrar os acontecimento que levaram aos seus fins trágicos. Pelo o que entendi, o gordo havia se envolvido em um acidente de carro. A mulher me fitava. A garotinha falou alguma coisa, mas as vozes dos homens abafaram. Aquilo começava a me incomodar.

-Calem a boca. –disse.

-Quem você pensa que é? –o gordo se aproximou.

-Eu mandei calar a boca, porco.

Aquietaram-se. Olho para a menina que aperta a camisola de ursinhos.

-Pode falar, querida. –me ajoelho.

-Onde ta o papai?

-O papai esta longe, meu anjo. Agora você vai passar um tempo conosco.

Ela coloca a mão na testa enquanto sua mente tenta alcançar alguma informação. Seus olhos ficam vagos.

-E quem é o papai? –ela pergunta.

Levanto-me novamente. Amnésia? A menina agarra minha mão. Não fosse a estranha situação, provavelmente teria me excitado.

-Não sei quem vocês são. –falo olhando para todos.- Mas sei quem eu sou. E sei que isso não é o céu.

-Acho que devíamos ficar juntos. Ao menos por enquanto. –o homem magro fez a sugestão. –Meu nome é Bob.

Achei estranho.

-É o primeiro brasileiro com esse nome que eu conheço.

-Brasileiro? Por que acha que sou brasileiro? –o homem pergunta.

-Estou errado? Você não tem nenhum sotaque português.

-Português? Estou falando inglês!

-Também achei que falávamos inglês! –o homem de terno complementou.

-Estou falando francês. Estou ouvindo vocês falarem francês! –a mulher entra na conversa com algum nervosismo na voz.

Levo a mão aos olhos e respiro fundo. O ar gelado entra em minhas narinas. Nos encaramos. Aquilo era estranho. Falávamos todos a mesma língua. A língua da morte.


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A quem interessar a continuação, esperem alguma editora ter a boa vontade de publicar.

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