terça-feira, 2 de agosto de 2011

Vale a pena viver?

Em 1588, Jean Bodin, intelectual francês, concluiu seu tratado intitulado Colóquio dos sete sobre os segredos do sublime. A obra conta o diálogo fictício entre um católico, um luterano, um judeu, um adepto da religião natural, um convertido ao islamismo, um calvinista e um cético. Ambientada em Veneza, a discussão que nunca ocorreu seria um marco na questão que diz respeito à tolerância. Como o leitor mais atento deve ter notado, não é por coincidência que a obra é criada em meio às guerras religiosas.

Para sustentar a tese da tolerância, Bodin defende que todas essas religiões possuem um fundamento em comum que “consiste na adoração do Deus Eterno”. Como o leitor já percebeu, conscientemente ou não, as questões levantadas por Bodin, assim como a maioria na Europa no XVI, passam pela concepção prévia da existência de Deus.

Tempos mais simples, não é?

De dois ou três anos para cá, uma questão vem me incomodando um pouco. Em essência, adianto, ela não é religiosa. Como questionei no título dessa publicação, amigo leitor, eu te pergunto: vale a pena viver?

Calma, calma. Ainda não precisa cortar os pulsos, camaradas fãs de fresno. Deixe-me explicar antes o que quero dizer.

Alguns estudiosos entendem que essa é a questão fundamental da filosofia, uma vez que, caso a resposta seja não, de nada adianta problematizar outras questões. Por um acaso, os que a definem como fundamental são justamente os cientistas que trabalham com essa temática.

Peço desculpas, amigo leitor, primeiro porque talvez esse seja um tópico por demais sério para nossa mesa de bar; segundo, porque não podemos tratar do assunto em tão poucas linhas sem fazer com que pareça um tanto infantil. Farei um esforço para suavizar isso, mas nada garanto.

“Com essa roubalheira toda na política você quer falar sobre isso?”, “Com todos os homossexuais sofrendo preconceitos”, “a questão da desigualdade social”, “as crianças com fome na África”. Amigo leitor, de que todas essas questões importam se, no fim, não lhe restar nada? Há um único tesouro na existência, que faz com que nos movamos para frente e para trás. A única coisa que permite ao homem ou ao animal (sou crítico nessa parte) se mover e fazer o que tem que ser feito. E isso é a consciência. Se, no fim das contas, você, a criancinha faminta da África ou Carlos Slim perderem essa peça fundamental na morte, do que lhe vale o que passou na vida? Qual é a grande diferença na maneira com que você viveu?

A questão aqui vai além da forma moral que você leva sua vida dentro dos conceitos de bem e do mal. A moralidade é ínfima nesse ponto. Diferente de Bodin, o que me causa a reflexão não perpassa a salvação do homem, mas a continuidade da existência, da consciência. E, sobre isso, é indiferente o religio. Se há reencarnação kardecista ou budista, se vou para o céu cristão, se acabarei no reino de Osíris... nada disso realmente importa. O amigo judeu/cristão quer pensar em algo pior que queimar eternamente no rio de fogo? É simples: Não queimar. Não sentir dor. Não pensar, no sentido mais sombrio da coisa. Não existir.

E daí muitos ateus anarquistas revolts punks da mtv vão dizer “é! Por isso tem que viver a vida! Deus não existe, Carpe Diem!”. Malandro, pára, e pensa. Se daqui nada te sobra, não importa se você vai aproveitar ou não a sua vida. Não importa sua revolta ou a desigualdade social. Muito menos se você acredita ou não em Deus. Se sua consciência não se prolonga de alguma maneira, desafio a quem quiser me explicar, do que adianta fazer do mundo um lugar melhor? Para que deixar um filho? Qual é, verdadeiramente, a diferença de morrer aos 12, aos 22 ou aos 115?

Não me levem a mal. É bom sim estar com amigos e amigas, é ótimo tomar uma cerveja bem gelada, é gostoso transar com a namorada e também é gostoso transar com a namorada dos outros. Tudo isso é muito bom, mas só é bom, só aproveitamos e queremos repetir porque somos capazes de experimentar e lembrar dessas sensações.
“É! Por isso que eu acredito em Deus”.

Creio que, daqui, vem a crença da maioria das pessoas em Deus, ou em espíritos, orixás e etc. Ninguém quer realmente pensar no assunto, porque todo mundo sabe que a reflexão não vai trazer pensamentos alegres. E eu não to falando isso por você ser cristão/judeu/candomblé. Eu realmente não ligo se você acredita que Jesus voltou dos mortos, que curou um cego, que multiplicou o pão ou que transformou a água em vinho. Se você quer acreditar que ele foi o primeiro e mais versátil x-men, não tem problema. O mesmo vale para os budistas e Cia.

Aliás, aproveito também para deixar claro que igualmente não ligo se você é ateu. Do século XIX para cá, o ateísmo tem virado moda e, o pior, é que cada vez mais conquista adeptos incapazes de pensar. Daí temos um monte de fanáticos ateus, falando de um monte de fanáticos religiosos. Canso de ver gente exclamando, “tirando onda”, que não acredita em Deus. Que quando morremos, viramos comida de minhoca e ponto. É fácil falar isso. É tão fácil quanto falar que Deus existe. Mas por que você, camarada ateu da MTV, não pensa um pouco sobre o que isso realmente significa?

O ponto é que Bodin defendeu a existência de uma universalidade das religiões, tendo em vista o ponto em comum de ‘’todas’’ que consiste na adoração do Deus eterno. Será que hoje, cinco séculos depois, ele ainda pode refletir sobre isso? Ou tudo que sobrou da consciência de Jean Bodin fora a influência no mundo?

Eu, sinceramente, não faço idéia. Mas nada custa pensar no assunto.

Como disse, é algo por demais complexo para se tratar em “poucas” linhas, mas fica aí a questão para quem quiser refletir.

P.S.1: isso não é uma carta-suicídio.
P.S.2: Realmente não quero criticar ninguém. Não acho que alguém religioso ou não religioso seja necessariamente ignorante.
P.S.3: Não seja burro! Isso não significa que você não deva se preocupar com os problemas sociais do mundo.
P.S.4: Agradeço aos dois, dos nossos seis leitores mensais que devem ter chegado ao final desse texto.

4 comentários:

  1. Sou um dos dois, Rá!

    Curti esse tema aí...esse rende mtas geladas em algum pé-sujo da Lapa, daqueles que só tem pinguço se perguntando o q q a gnt está fazendo lá...

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  2. Olá, nenhum de vocês me conhece mas vou deixar minhas impressões sinceras.

    É realmente um belo texto. Conseguiu abordar uma questão primordial, apesar de indigesta, de forma delicada e bem humorada. Genial a comparação entre Jesus e os x-man.

    Faz algum tempo que conheci o blog e já posso recomendar. Grandes textos, grandes autores. Principalmente aquele bonitão do Alex. Ai,ai, mal posso esperar pelo próximo texto...

    Beijos para todos.

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  3. aeee !!!!
    Delfim Barbosa é o psudonimo do wellington ?

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  4. quem é wellington? nao conheço wellington algum...
    otimo texto!

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